Numa sátira muito bem elaborada, enfocando entre outros temas a diplomacia, a Constituição, transações e propinas, os políticos e eleições, ele critica os privilégios das elites, as oligarquias e as desigualdades sociais. Tudo muito parecido com o que nos acostumamos a observar na história política nacional.
No imaginário país do afro-brasileiro Lima Barreto, ele identifica como protagonistas da vida política, os apaniguados, os oportunistas e os retrógrados, pouco preocupados em atender às necessidades do povo ou resolver seus problemas. Elites desprovidas de cultura dominando a nação. Os usos e costumes vêm se repetindo ao longo do tempo.
O presidente da “Bruzundanga” era um deslumbrado, incompetente e medíocre, bem ao estilo de alguns líderes populistas que nos governaram recentemente. A plebe era desmemoriada e ignorante, transformando políticos em “mitos”. No capítulo “A Arte de Furtar”, o escritor fala ainda da prática desavergonhada do nepotismo, dos favorecimentos distribuídos aos apadrinhados e dos desvios do erário, chegando textualmente a afirmar: “Os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar nos de outros ladrões.”
Vejam quais eram os predicados necessários para que alguém fosse alçado a um cargo de ministro em Bruzundanga, segundo Lima Barreto: “Assim, por exemplo, a exigência principal para ser ministro era a de que o candidato não entendesse nada das cousas da pasta que ia gerir. Por exemplo, um ministro da Agricultura não devia entender cousa alguma de agronomia. O que se exigia dele é que fosse um bom especulador, um agiota, um judeu, sabendo organizar trusts, monopólios, estancos, etc”. Em relação às forças militares, era assim que descrevia sua participação na República de Bruzundanga: “Lá não existe absolutamente força armada. Há, porém, cento e setenta e cinco generais e oitenta e sete almirantes. Além disso, há quatro ou cinco milheiros de oficiais, tanto de terra como de mar, que se ocupam em fazer ofíci os nas repartições”. Impossível negar que já vimos isso em tempos bem recentes.
Era perceptível a obsessão por títulos honoríficos de nobreza para que fossem valorizados pela sociedade. A nobreza era dividida em dois grupos: o da Toga e o da Espada. Homenageados e venerados pelas rudes cabeças da massa, doutrinadas por concepções políticas hediondas e demagógicas.
O livro é uma alegoria da Primeira República, com um nítido sentido premonitório em relação aos séculos XX e XXI. Muita coisa mudou com a Proclamação da República: forma de governo, bandeira, Constituição, separação da Igreja do Estado, mas a estrutura social e econômica não foi alterada. As mazelas de “Bruzundanga”, lamentavelmente, persistem até hoje. As elites políticas e econômicas continuam construindo uma história republicana, restringindo a liberdade e mantendo os pobres na miséria. Os políticos dos Estados Unidos da República de Bruzundanga se consideram diferentes do povo, e, respeitadas as exceções, fazem com que permaneçamos, na contemporaneidade, enfrentando os recorrentes problemas e o “modus operandi” político daquele país imaginado por Lima Barreto, mantendo uma assustadora atualidade.
É, sem dúvida, um clássico da literatura brasileira que merece ser lido, pela narrativa satírica nele contida. São crônicas de incisiva crítica à sociedade brasileira, desde a chegada da República no Brasil até os dias de hoje.
Rui Leitão