Tudo continua como antes. Colocar bastante gente na rua não é razão para que a Justiça altere os procedimentos legais de investigação da conspiração golpista que culminou com a barbárie do dia 8 de janeiro do ano passado.
É inegável que o ato político-religioso contou com uma grande participação popular, embora bem menor do que esperavam. Boa parte dos seguidores do ex-presidente atendeu à sua convocação e se comportou diferentemente dos atos golpistas até então realizados. Obedeceu ao apelo do líder, que também modificou consideravelmente o seu discurso, se compararmos com os que pronunciava antes. Não atacou o STF, nem as urnas eletrônicas, na tentativa de abrandar as acusações a que responde. Outra surpresa: não se ouviu sequer um palavrão. Foi confirmado, no entanto, o seu poder de mobilização. Mas ninguém jamais deixou de reconhecer que parte da população brasileira, em torno de 25 por cento, continua se mantendo fiel às ideias propagadas pelo político que chamam de “mito”.
No seu pronunciamento chegou a apelar para a pacificação nacional, numa postura que surpreende, partindo de quem sempre produziu uma retórica política com a marca da agressividade. Esse discurso terceirizou para o pastor Silas Malafaia. Pregou a anistia para os “pobres coitados que estão presos”, referindo-se aos terroristas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Surpreendentemente tomou como exemplo o que aconteceu quando a ditadura militar chegava ao fim: “nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil”, agentes do estado que torturaram e assassinaram pessoas que se posicionavam contra o regime, dentre eles Carlos Brilhante Ulstra, que foi por ele homenageado na sessão que aprovou o impeachement da presidente Dilma Roussef. Falou uma verdade, mas não podemos continuar errando. A intenção, portanto, claramente, é a de provocar um freio na aplicação das punições que a justiça vem impondo a quem tentou matar a democracia em nosso país. Solicitou que o “passado fosse esquecido”. Revelou-se um orador que pedia clemência. Por fim, apesar de ter se negado a falar no depoimento à Polícia Federal, assumiu publicamente que sabia da existência da minuta do golpe.
Como essa concentração pública do domingo não vai ter qualquer efeito prático, a não ser uma fotografia aérea demonstrando que havia muita gente, qual será o próximo passo da extrema direita? O ambiente jurídico e político se mantém o mesmo, assombrando os golpistas. Na verdade, o que se viu foi um esforço de garantir uma sobrevida na política.
Rui Leitão