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Por Rui Leitão: O uso político do esquecimento

A memória conecta, articula e relaciona elementos históricos. Por ela registramos na mente acontecimentos pretéritos, evitando o esquecimento.

14/03/2024 às 07h43
Por: Redação
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 Por Rui Leitão: O uso político do esquecimento

 Mas há, infelizmente, quem se interesse deliberadamente em promover o ocultamento de confirmações históricas, no propósito de estabelecer uma amnésia social. O esquecimento sendo instrumentalizado para atender conveniências político-ideologicas. A conspiração forte contra o “lembrar”.
 
Há tentativas de se evidenciar um processo de exclusão histórica para que não se tenha conhecimento de realidades consideradas proibidas. O objetivo é fazer com que fatos reprováveis do passado sejam aceitos como normais, porquanto narrados de forma distorcida. O silêncio imposto oficialmente para desresponsabilizar culpados de outrora, no sequestro criminoso da nossa memória histórica.
 
Os que não sabem conviver com a democracia fazem da desmemória o instrumento para condução à inércia coletiva. É o apagamento intencional. Considerando que a memória nos transmite a história, é natural que alguns registros se tornem incômodos para manutenção de discursos políticos contemporâneos, porque se colocam em confronto com narrativas conhecidas.
 
Sabemos que se faz necessária uma permanente autocrítica da memória, propondo reconstruções segundo uma lógica de probabilidades. O que não deve, e não pode, é ser efetivada uma deliberada seletividade das narrativas históricas, com o intuito de distorcer verdades inquestionáveis, já consagradas em livros e artigos escritos por historiadores. As feridas feitas pela história não podem ser esquecidas. Elas devem ser relembradas para que não se repitam, preservando, inclusive, o conceito de moral como noção de justiça devida às vítimas.
 
A ideologização da memória provoca essa estratégia do esquecimento. A sua manipulação constitui-se grave dano de confiabilidade aos relatos históricos. A política do esquecimento, portanto, passando a ser adotada por alguns como política pública de anti-memória. Torna-se transparente a vontade de não informar e a de não permitir questionamentos sobre os males cometidos no passado. É a mobilização para ativar o “não querer saber”. O estímulo à alienação coletiva, reivindicando claramente a necessidade do esquecimento, buscando construir uma memória hegemônica em detrimento de memórias coletivas até então existentes. É preciso, pois, admitir o pluralismo das expressões memoriais, nas suas versões alternativas, procurando resistir às tentativas de imposiç&at ilde;o do esquecimento.
 
Memórias mal compreendidas despertam os piores sentimentos. A negligência para com a história pode fazer com que nos tornemos um país fraco de lembranças e de identidade. Tem ganhado força nas redes sociais e em declarações de agentes políticos o negacionismo histórico. O revisionismo clássico é necessário e importante. Porém, ele tem que ser realizado respeitando regras metodológicas da área. O revisionismo histórico não pode ser ideológico, porque compromete o conhecimento. Fraudar o passado em função de um projeto político, além de ser prática de má-fé, procura dar voz a discursos de dominação e opressão em virtude de diferenças ou divergências.
 
Neste ano completam 60 anos do golpe civil-militar instalado em 31 de março de 1964 e que nos condenou a uma experiência política que não pode ser repetida. Por isso, temos obrigação de relembrar todos os acontecimentos antidemocráticos e cruéis que a ditadura militar nos impôs, para que nos sintamos encorajados a reagir contra as conspirações golpistas que de vez em quando ameaçam a nossa democracia. 
 
Rui Leitão

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Rui Leitão
Sobre o blog/coluna
Nascido em Patos PB. Escritor e historiador. Sócio efetivo da Academia Paraibana de Letras, do Instituto histórico e geográfico paraibano e da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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