Juliana Dal Piva
Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.
Igor Mello, Juliana Dal Piva e Karla Gamba
A Polícia Federal encontrou uma série de evidências da participação direta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) no desvio, venda e posterior recompra de joias e outros presentes de alto valor destinados por autoridades estrangeiras à Presidência da República. A PF avalia todos os bens desviados em mais de R$ 6,8 milhões.
As informações constam no relatório final do inquérito das joias, que se tornou público após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Entenda a participação direta de Bolsonaro em três pontos.
‘Selva’: Bolsonaro autorizou leilão de joias
Mensagens e registros de navegação encontrados no telefone celular do ex-presidente Jair Bolsonaro mostram que ele deu anuência para que o coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, inscrevesse o jogo de joias da marca Chopard, conhecido como “kit rose”, em um site de leilões online,
Cid enviou o link do leilão das joias, realizado pela loja Fortuna Auctions, em 4 de fevereiro. Bolsonaro viu a mensagem e respondeu: “Selva”. O termo é usado entre militares como uma saudação.
“Nesse contexto, ratificando sua ciência e anuência na tentativa de alienação ilegal das joias, a análise dos dados armazenados no telefone celular apreendido em poder de JAIR MESSIAS BOLSONARO identificou cookies e históricos de navegação da página da empresa FORTUNA AUCTION, responsável pelo leilão do “kit ouro rose”. Conforme descrito na IPJ n° 2615154/2024, os cookies foram registrados por volta de “2023-02-04T20:36:26Z” (04 de fevereiro às 17:36:26 horário de Brasília), aproximadamente vinte e um minutos após JAIR BOLSONARO ter recebido o link do leilão por MAURO CID. Conforme a sequência cronológica dos fatos, um minuto após acessar o link do leilão, JAIR BOLSONARO encaminha para MAURO CID a mensagem “Selva”, demonstrando sua ciência sobre leilão das joias desviadas do acervo público brasileiro que ocorreria no dia 08 de fevereiro de 2023”, consta no relatório da PF.
No dia do leilão, Cid avisa novamente Bolsonaro sobre a venda. As joias acabaram não sendo vendidas e Cid entra em contato dias depois afirmando que o proprietário havia mudado de ideia e decidido não mais fazer a venda por achar “o valor muito baixo”
Kit recomprado foi entregue em casa de Bolsonaro nos EUA
A investigação constatou que, após o escândalo das joias ganhar espaço na imprensa, houve “uma verdadeira operação” para a recompra dos presentes. O conjunto de joias da marca Chopard, que inclui, entre outros itens, um relógio, foi entregue na casa que Jair Bolsonaro ocupava em Orlando, na Flórida.
“O citado conjunto de itens masculino da marca Chopard, teria sido resgatado do estabelecimento FORTUNA AUCTIONS, localizado no estado de Nova Iorque e encaminhado, por meio do serviço de transporte de mercadorias da empresa UPS, para um endereço na cidade de Orlando/FL, local em que o ex-Presidente JAIR BOLSONARO estava hospedado. Em seguida, o kit foi transportado para o Brasil e entregue, na data de 24 de março de 2023 na agência da Caixa Econômica Federal, na cidade de Brasilia/DF”, diz trecho do relatório da PF.
O endereço onde Bolsonaro estava hospedado também consta em email enviado por Cid à Fortuna Auctions, conforme apurou a PF.
Bolsonaro entregou kit de joias para venda, diz Cid
Em depoimento à PF, o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que o chefe entregou pessoalmente um conjunto de joias para serem vendidas. Ele firmou um termo de colaboração premiada com a PF e forneceu informações para as investigações que envolvem o ex-presidente.
“Em termo de depoimento prestado no contexto do acordo de colaboração firmado com a Polícia Federal MAURO CESAR CID confirmou que o então presidente da República, no mês de dezembro de 2022, entregou uma mala ao colaborador, contendo, além das esculturas já descritas no tópico 2.1, também as joias do “kit ouro rose”, solicitando que os itens fossem vendidos. MAURO CID também confirmou os fatos já descritos do trâmite da mala, desde a chegada na cidade de Orlando até sua entrega para o General LOURENA CID na cidade de Miami”, afirma a PF no relatório.