Os jornais da época calculavam em torno de 200 mil pessoas a multidão que se aglomerava desde o final da tarde do dia 13 de março de 1964, na Praça da República, em frente à Estação Pedro II da malha ferroviária da cidade do Rio de Janeiro, a Central do Brasil, para participar daquele que seria o histórico comício em que o presidente João Goulart comunicaria à Nação as reformas agrária, bancária, administrativa, universitária e eleitoral, propostas pelo governo federal, que o Congresso relutava em aprovar. O evento foi precedido de ampla divulgação, feita desde janeiro, e teve transmissão ao vivo por uma cadeia de rádio e tv para todo o país.
Durante o dia Jango havia assinado dois decretos, um que desapropriava as refinarias de petróleo que ainda não estavam nas mãos da Petrobras e outro que autorizava a desapropriação de áreas ao longo das ferrovias, rodovias, zonas de irrigação e dos açudes, provocando reações contrárias por parte de grandes proprietários rurais e da burguesia industrial paulista. O presidente planejava utilizar o Comício da Central como estratégia de mobilizações populares de apoio às reformas, buscando firmar uma aliança com setores da esquerda nacional.
O clima era de tensão no palanque, em razão de informações que circulavam dando conta de que “cartas anônimas garantiam que tiros seriam disparados do prédio da Central do Brasil ou que bombas explodiriam o palanque”,conforme consta do livro biográfico da Jango escrito pelo historiador Jorge Ferreira. A então primeira-dama, Maria Thereza Goulart, teria aconselhado o marido a não participar do comício. O apelo foi recusado, mas montada uma segurança ostensiva pelo Exército.
Antes do esperado discurso do presidente, dentre os muitos pronunciamentos, usaram da palavra o então presidente da UNE, José Serra, o presidente do Partido Comunista, Luis Carlos Prestes, o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, e o deputado Leonel Brizola. Eram exatamente 20h46, quando Jango iniciou o discurso, feito de improviso, que durou 65 minutos, se dirigindo “a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.”
Deu ênfase à parte que tratava da reforma agrária, afirmando que “não era um capricho de um governo ou programa de um partido, mas, sim, produto da inadiável necessidade de todos os povos de mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutam no campo”. Como era de se esperar, o forte discurso repercutiu negativamente junto aos setores mais conservadores da sociedade. Até o encerramento do mês, Jango enfrentaria uma oposição cada vez maior, culminando com o golpe civil-militar que pôs fim à democracia no Brasil.
Rui Leitão