O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militares. Foto: reprodução
A Operação Contragolpe, deflagrada pela Polícia Federal na terça-feira (19), resultou na prisão de militares envolvidos em um plano que incluía os assassinatos do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. Além disso, revelou uma rede que alcança o alto escalão das Forças Armadas, incluindo oficiais graduados que discutiam estratégias para um golpe de Estado e nomes cotados para liderar o país após a suposta ruptura.
Os investigadores localizaram mensagens, documentos, áudios e registros de reuniões que mencionam ao menos 35 militares, entre eles dez generais e 16 coronéis do Exército, além de um almirante. Esses materiais foram encontrados durante a nova fase das apurações relacionadas à trama antidemocrática que teria sido articulada durante o governo de Jair Bolsonaro.
Entre os envolvidos, o principal alvo foi o general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo do governo Bolsonaro. A análise do celular de Fernandes revelou conversas nas quais ele e outros militares criticavam o Alto Comando do Exército, com frases como “tinha que acabar” e “Quatro linhas da Constituição é o c…”.
Vasculhando o celular de Mário Fernandes, a PF encontrou uma minuta de criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” que teoricamente seria ativado um dia depois da ação contra o ministro Alexandre de Moraes. Segundo o documento, o grupo teria a função de “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o enfrentamento da crise institucional”, no caso, um golpe de Estado.
A criação do grupo seria baseada em um decreto presidencial e a missão do gabinete seria acompanhar as ações estabelecidas no mesmo “para analisar os assuntos com potencial de risco, com o objetivo de prevenir e mitigar riscos e articular gerenciamento da crise”. O grupo proporcionaria a Bolsonaro “maior consciência situacional das ações em curso para apoiar o processo de tomada de decisão”.
As mensagens
As mensagens evidenciam o descontentamento de parte dos militares com a posição da cúpula do Exército, que não apoiou a tentativa de manter Bolsonaro no poder após a derrota eleitoral, conforme informações do Blog do Fausto Macedo, do Globo.
Após o segundo turno, o coronel Roberto Criscuoli trocou mensagens com Fernandes e disse: “Mario, eu tava até conversando agora com o pessoal aqui, cara. Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o exército, vai destruir tudo”.
E completou: “Então eu acho que essa decisão tem que ser tomada urgente, cara. E o presidente não pode pagar pra ver também, cara. Ele vai destruir o nosso país, cara. Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar. Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora. Fala com o 01 aí, cara.”
Em áudio, general Mário Fernandes afirma que Jair Bolsonaro deu aval para golpe | GZH
Bolsonaro e o general Mario Fernandes, um dos “kids pretos” preso pela PF nesta terça-feira (19) – Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Mario também reclamou sobre o Alto Comando do Exército com Reginaldo Vieira de Abreu, apontado por Mauro Cid como um dos mais radicais do governo Bolsonaro. “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta. Nós estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando e eles não deram um tiro por incompetência nossa. Incompetência nossa, é isso”, disse.
A PF apreendeu documentos cruciais com Fernandes, como o plano ‘Punhal Verde Amarelo’, que incluía o envenenamento de Lula e um atentado a bomba contra Moraes, e uma minuta detalhando um gabinete de crise para “pacificar” o país após o golpe. Os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, aliados próximos de Bolsonaro, foram indicados como líderes nesse plano de gestão.
Mário Fernandes seria da assessoria estratégica, junto com o coronel Élcio Franco, que foi secretário-executivo da Saúde (e também foi flagrado em áudios tramando o golpe). Também haveria assessorias: parlamentar, com três coronéis; de relações institucionais, com o ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins; de administração; de TI, com um general; e de Segurança de Instalações, com outro general.
Outros militares também tiveram evidências relevantes apreendidas. O major Rafael de Oliveira possuía arquivos e mensagens relacionadas à operação ‘Copa 2022’, que previa a prisão ou execução de Moraes, mas que foi abortada na última hora. Já com o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima foi encontrada uma planilha com mais de 200 etapas para implementar a ruptura democrática.
Os nomes dos militares envolvidos aparecem na investigação da PF em três categorias principais: aqueles que discutiam abertamente sobre o golpe e sua execução, os cotados para compor o Gabinete da Crise após a ruptura, e os integrantes do chamado Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência.
Núcleo de Oficiais de Alta Patente
De acordo com a PF, Mário Fernandes é apontado como membro central do Núcleo de Oficiais de Alta Patente. Esse grupo teria utilizado sua posição de destaque nas Forças Armadas para influenciar outros núcleos e fomentar apoio às ações golpistas. Muitos integrantes do núcleo também foram alvos da Operação Tempus Veritatis, realizada em fevereiro.
Entre os nomes mencionados pela PF estão o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, que, segundo o delator Mauro Cid, teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro para a execução do golpe; e o coronel da reserva Laércio Vergilio, que manteve contato com Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão expulso do Exército e investigado por fraudes em cartões de vacinação.
Outros oficiais citados incluem o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa que enviou ao Tribunal Superior Eleitoral um relatório sem provas lançando suspeitas sobre o pleito; Walter Braga Netto, ex-vice na chapa de Bolsonaro e anfitrião de uma reunião onde foi aprovado um plano de ação contra Moraes; e o general Estevam Theóphilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), apontado como responsável por organizar ações golpistas, incluindo a mobilização de grupos armados na tentativa contra Moraes.