STF inicia na quarta-feira o julgamento de três ações sobre regras para plataformas digitais e a responsabilidade das empresas por conteúdos postados
247 - O Supremo Tribunal Federal (STF) começa, na próxima quarta-feira, o julgamento de três ações que discutem as responsabilidades das redes sociais por conteúdos publicados em suas plataformas. A análise ocorre em um contexto sensível, marcado por novas revelações de um plano golpista pós-eleições de 2022 e pelo ataque a bomba na Praça dos Três Poderes. A informação é do jornal O Globo.
Os processos haviam sido adiados duas vezes, à espera de uma regulamentação do tema pelo Congresso Nacional, que não avançou devido a pressões políticas e resistências de setores ligados ao bolsonarismo. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, justificou a necessidade de uma decisão judicial:
“Em todo o mundo democrático está se travando a discussão voltada à proteção da liberdade de expressão, sem permitir, todavia, que o mundo desabe num abismo de incivilidade que comprometa os valores democráticos e a dignidade humana”, afirmou.
O julgamento aborda o modelo de responsabilização das plataformas digitais pelo conteúdo de terceiros. A principal questão é se e em quais circunstâncias essas empresas devem responder por publicações ilegais. Uma das ações, por exemplo, envolve um recurso do Facebook contra condenação por danos morais a uma mulher que teve sua imagem usada em um perfil falso.
Outra pauta, relatada pelos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, trata do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que responsabiliza as plataformas apenas quando estas descumprem determinações judiciais para retirada de conteúdo. Já o terceiro processo, sob relatoria do ministro Edson Fachin, debate a constitucionalidade do bloqueio de aplicativos como o WhatsApp, aplicado em decisões judiciais no passado.
O STF esperava que o Congresso avançasse no debate por meio do PL das Redes Sociais, mas o projeto foi travado por resistências na Câmara, lideradas pelo presidente Arthur Lira (PP-AL). Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto, o Supremo foi “bastante cauteloso” ao adiar o julgamento, mas a inércia legislativa tornou inevitável a ação da Corte:
“A discussão foi obstruída por um setor do parlamento, e essas mesmas pessoas que impediram a deliberação no Congresso vão apontar o dedo para o STF e acusá-lo de ativismo judicial”, criticou.
As falhas das plataformas em conter discursos de ódio e fake news têm sido constantemente apontadas pelos ministros do STF. Em recente decisão que autorizou a prisão de militares suspeitos de planejar um atentado contra ele, Alexandre de Moraes destacou a atuação de milícias digitais na disseminação de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais. Moraes defendeu a regulamentação das redes como essencial para a retomada da “normalidade democrática” no Brasil.
O ministro Gilmar Mendes também enfatizou a necessidade de responsabilização das plataformas. Durante um evento em Brasília, destacou que as redes não adotaram medidas suficientes para evitar a disseminação de conteúdos extremistas que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Representantes das big techs argumentam que já possuem mecanismos eficazes para remoção de conteúdos ilegais e que uma regulamentação mais rigorosa poderia levar à censura. No entanto, especialistas como o advogado Gustavo Binenbojm defendem que a autorregulação tem sido insuficiente:
“Dez anos após a aprovação do Marco Civil, podemos constatar que o artigo 19 envelheceu muito rápido. A internet se transformou em uma praça de guerra, onde ofensas, mentiras e agressões correm livremente”, afirmou.
Com uma longa lista de sustentações orais e a possibilidade de pedidos de vista, o julgamento deve se estender para 2025. Apesar disso, seu início é visto como um marco na tentativa de equilibrar liberdade de expressão e proteção aos valores democráticos no Brasil. O desfecho poderá estabelecer precedentes que redefinam a relação entre plataformas, usuários e o poder público.