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“Guerra civil”, “Clamor popular”,”O tempo tá curto”: novos áudios expõem a trama golpista

Foto: Reprodução

26/11/2024 às 05h58 Atualizada em 27/11/2024 às 05h11
Por: Redação Fonte: DCM
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“Guerra civil”, “Clamor popular”,”O tempo tá curto”: novos áudios expõem a trama golpista

O general Mário Fernandes – Reprodução


Áudios obtidos pela Polícia Federal (PF) expõem diálogos entre militares e aliados sobre planos golpistas para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder e assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

As gravações fazem parte da investigação que resultou na Operação Contragolpe, deflagrada na terça-feira (19), que prendeu cinco suspeitos, incluindo quatro militares e um policial federal.

A operação, conduzida pela PF, revelou 52 áudios que mostram a participação ativa do general Mário Fernandes, um dos presos, em articulações golpistas. Ele manteve contato direto com figuras-chave, como Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o coronel reformado Reginaldo Vieira de Abreu. As gravações foram divulgadas pelo programa Fantástico, da TV Globo, e também obtidas pelo UOL.

Conversa sobre autorização presidencial para golpe
Mauro Cid afirmou ao general Fernandes que discutiria com Bolsonaro a possibilidade de autorizar ações militares para viabilizar o golpe. Ele destacou a hesitação de Bolsonaro e a urgência em agir antes de datas específicas:

“Não, pode deixar. Vou conversar com o presidente. O negócio que ele tem essa personalidade às vezes, né? Ele espera, espera, espera, espera para ver até onde vai e ver os apoios que tem. Só que, às vezes, o tempo tá curto, né? Não dá para esperar muito mais passar, né? Dia 12 seria teria que ser antes do dia 12, né, mas com certeza não vai acontecer nada. E, sobre os caminhões, pode deixar que eu vou comentar com ele porque o Exército não pode. Papa mosca de novo, né, a área militar, ninguém vai se meter até porque a manifestação é pacífica, né? Ninguém tá fazendo nada ali”.

 

“Guerra civil agora ou depois”
Em outro áudio, o coronel Roberto Criscuoli enfatiza a necessidade de uma decisão urgente, mencionando riscos de uma guerra civil iminente caso os militares não agissem:

“Ô Mário, bom dia. Mário, eu tava até conversando agora com o pessoal aqui, cara. Se nós não tomarmos a rede agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem um significativo, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o exército, vai destruir tudo. Aí o povo vai dizer assim, agora que mexeram com você, vocês vão pra rua. Se você resolve tomar… Então vai ficar feio. Porque ele vai destruir todo o exército. Ele vai mandar todos os 4 estrelas embora. Vai ficar com os G. Dias (general Gonçalves Dias) e alguns outros aí. Cara, não vai ficar legal, cara. É melhor ir agora. O povo tá na rua e pedindo, que, daqui a pouco, nós vamos ir por interesse próprio. Aí não vale. Aí eu não vou. Aí eu não vou. Então é a hora de ir agora, cara. Também concordo com esse texto que tu mandou. Pô, tô dentro. Mas tem que ir agora que o povo está pedindo. Não porque vão mandar os generais pra reserva. Então eu acho que essa decisão tem que ser tomada urgente, cara. E o presidente não pode pagar pra ver também, cara. Ele vai destruir o nosso país, cara. O argentino já esteve aqui com o chapéu na mão, cara. Vai esperar virar uma Venezuela pra virar o jogo, cara? Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. Agora o povo da rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar, eu tenho certeza que vai dar, porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora. Fala com o 01 aí, cara. É agora. Hoje eu tô dentro, amanhã eu não tô mais não. Amanhã é o que eu quero dizer daqui a pouco. Por interesses outros eu não vou. Nem eu e nem a turma daqui. Um saco cheio de explicar pro civil que as coisas tão sendo tomadas, que tem um cara lá que tá fazendo isso, tem um pessoal que vai falar, tem um pessoal que tá acusando, tamo pegando prova. A porra, não dá mais, cara. Não dá mais. Não é mais pra ter prova não, quer mais prova do que já teve? E o povo tá na rua pedindo? Vambora, pô! Pau”.

 

Inflamar a população como estratégia
O general Mário Fernandes sugeriu criar um “clamor popular”, semelhante ao de 1964, para legitimar o golpe. Ele falou sobre a importância de “inflamar a massa” para pressionar o Alto Comando das Forças Armadas:

“Tá na cara que houve fraude, porra. Tá na cara, não dá mais pra gente aguentar essa porra. Tá foda. Tá foda. E outra coisa: nem que seja pra divulgar e inflamar a massa, pra que ela se mantenha nas ruas, e aí, sim, talvez seja isso que o Alto Comando, que a Defesa quer. O clamor popular, como foi em 64. Porque, como o senhor disse mesmo, boa parte do Alto Comando, pelo menos do Exército, não tá muito disposto, né? Ou não vai partir pra intervenção A não ser que o start seja feito pela sociedade. Pô, Geraldo, reforça isso aí. Eu tô fazendo meu trabalho junto à brigada e o pessoal de divisão da minha turma, cara. Força, kid preto. Um bom final de semana e que esse final de semana e a próxima semana nos tragam um acalento. A gente tá precisando”.

 

‘Vamos para o vale tudo, eu tô pronto a morrer por isso’
Em conversa com Mário Fernandes, o general Hélio Osório de Coelho diz estar “pedindo a Deus” para que o presidente, que na época era Jair Bolsonaro, tome uma “ação enérgica” e que irá para o “vale tudo”:

“Eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Sou capaz de morrer por essa nação a ter que viver sob jugo de bandidos criminosos, entendeu? Comunistas. Eu sou capaz de morrer, cara, por essa nação. Só pode ter certeza disso. Não só eu, mas milhares e milhares de pessoas. Entendeu? Eu não consigo vislumbrar meus sobrinhos, minhas sobrinhas, os filhos pequenos de meus amigos, das minhas amigas, ficando sob o jugo desse vagabundo. Não consigo imaginar. Eu prefiro ir pra guerra. Eu prefiro ir pro campo de batalha. Entendeu? Viver a pátria livre ou morrer pelo Brasil. Entendeu? Aprendi isso na caserna. Honrar a minha bandeira. Honrar o meu presidente. Então eu… tô pedindo a Deus pra que o presidente tome uma ação enérgica e vamos sim pro Vale Tudo. Eu tô pronto a morrer por isso. Porque o que adianta viver sem honra? O que adianta andar na rua de cabeça baixa e não poder bater no peito que um dia eu lutei pela liberdade?”.

Fernandes diz que sugeriu a Bolsonaro colocar Braga Netto de novo na Defesa para ter mais “apoio” a golpe
Em diálogo com Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, Mário Fernandes revelou ter pedido ao então mandatário que pusesse o general Walter Braga Netto de novo no Ministério da Defesa, no fim do governo:

“Cara, eu tô aloprando por aqui. E eu queria que tu reforçasse também, pô. Eu falei com o Cordeiro ontem, falei com o presidente. Porra, cara, eu tava pensando aqui, sugeri o presidente até… Porra, ele pensar em mudar de novo o OMD, porra. Bota de novo João Braga Neto lá. João Braga Neto tá indignado, porra. Ele vai ter um apoio mais efetivo. Reestrutura de novo, velho. Ah, não, porra, aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe. Porra, negão. Qualquer solução, caveira, tu sabe que ela não vai… acontecer sem quebrar ovos, sem quebrar cristais. Então, meu amigo, parte pra cima, apoio popular é o que não falta. E, porra, tem que tomar cuidado, cara. Ontem eu fiquei preocupado com a saúde do presidente. Ele tem que se cuidar, cara. E levantar a cabeça, porra. Partir pra cima. Ainda que seja caindo, porra, ele vai cair de pé, porra”.

 

‘Pedi o pessoal (para) ir lá para casa do presidente, ele nem apareceu’
Em uma das mensagens, o coronel Vieira de Abreu faz uma reclamação a Fernandes sobre a ausência de Jair Bolsonaro em um encontro de apoiadores do então presidente:

“Pô, eu pedi o pessoal ir lá pra casa do presidente, lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve tá com vergonha, né? Aí pedi o pessoal ir lá pra casa do Arthur Lira. Aí, pô, eu tô com vergonha de pedir. Porra, puta merda. Ele que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira falar que não quer mais, né? O pessoal pelo menos passar o Natal em casa”.

 

Planejamento de assassinatos e espionagem
A PF identificou que Wladimir Soares, policial federal preso na operação, monitorava membros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e compartilhava informações estratégicas com aliados de Bolsonaro. Entre as mensagens trocadas, ele relatou movimentações de segurança em Brasília, incluindo detalhes sobre a posse de Lula. Ele afirmou estar “pronto” para agir em apoio ao plano golpista.

“Ô irmão, eu tô aqui na Coordenação desse evento, né velho, de posse. Aí eu vim pras fixas dos hotéis, coordenando isso aqui. Aí o gerente ligou dizendo que esses caras entraram… tá no nome de Misael essa reserva. E que entraram quatro caras que não quiseram se identificar, dizendo ser Polícia Federal, aquela coisa toda. Mas não são, né. Saíram também sem se identificar e eles acionaram a gente. Eu não sei se são do GSI, se não são. Se tem a ver com o nosso governo atual e tão trabalhando pro outro, entendeu meu irmão? Muita coisa pode acontecer a gente não sabe. Eles tão total… dizendo que são secretos e tudo, né. Disseram que estavam em missão secreta e não podiam dizer”, disse Wladimir Soares, da Polícia Federal, em mensagem encaminhada para Sérgio Cordeiro, assessor especial de Bolsonaro, no dia 13 de dezembro, às 11h44.

“Fala Cordeiro. Beleza? Seguinte meu irmão já tá tudo resolvido aqui. O Misael é do GSI, sim. E… ele tá à disposição aí do, do, do, do, candidato, né, Luís Inácio. E o que acontece, cara. Ele… como rolou aquela situação no prédio da Polícia Federal [referência a tentativa de invasão ao prédio da PF em Brasília, no dia 12 de dezembro de 2022] em Brasília, ontem, eles acionaram a equipe do COT. E uma equipe do COT, como o Lula estaria ali no prédio, né, do, do MELIÁ, é… uma equipe o COT ficou à disposição, próxima. Então, eles hospedaram essa equipe do COT aqui no Windsor. Certo? Mas, isso aí foi, foi tudo acertado mesmo. Tá bom? Só pra, de repente, você ter essa informação. Valeu meu irmão? Um abraço. Vamos torcer, meu irmão. Tamo aqui nessa torcida. Essa porra tem que virar logo. Não dá pra continuar desse jeito, não, irmão. Vamos nessa. Eu tô pronto”, disse Wladimir Soares, no dia 13 de dezembro às 12h07.

A PF afirma que, após a troca de mensagens, os dois pesquisaram mais sobre Misael Melo da Silva, em fontes abertas. Até 27 de abril de 2022 Misael ocupava o cargo de assistente do ex-presidente Jair Bolsonaro.

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