Por Fábio Serapião
(Folhapress) — A Polícia Federal afirma no relatório final da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 que o delegado Alexandre Ramagem sugeriu a Jair Bolsonaro (PL) tirar a autonomia dos delegados federais como forma de controlar as investigações contra o ex-presidente em andamento desde 2020 na corporação.
Anotações encontradas com o deputado federal e ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) mostram a defesa de uma proposta para que todos os inquéritos que tramitassem no Supremo Tribunal Federal fossem de responsabilidade do diretor-geral da PF.
“O contexto das anotações acima indica que Ramagem sugestiona ao então presidente Jair Bolsonaro que interfira junto a administração da Polícia Federal para restringir a atuação funcional de delegados da Polícia Federal junto a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal”, diz a PF.
No mesmo documento, Ramagem critica a cúpula da PF por não questionar a escolha de delegados por ministros do STF.
O objeto da crítica, nesse caso, era Alexandre de Moraes. O ministro, após a própria PF indicar a delegada Denise Ribeiro como responsável para conduzir o inquérito das fake news presidido por ele, atuou para que ela fosse mantida nas outras apurações que foram abertas, como o inquérito dos atos antidemocráticos — que deu origem ao caso das milícias digitais, no qual, por sua vez, foi desenvolvida a investigação sobre o golpe.
Ministro Alexandre de Moraes
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, proibiu indicação de Ramagem ao comando da PF (Foto: STF)
“A PF nunca questionou a indicação de delegados por ministros do STF para investigações, da instauração arbitrária dos inquéritos e de como as diligências estão sendo executadas. A direção-geral e a corregedoria da PF precisam de mais coragem para apenas aplicarem a lei”, disse Ramagem em uma anotação.
À época, os inquéritos cujos alvos eram pessoas com foro por prerrogativa de função eram, em sua maioria, conduzidos pelo Sinq (Serviço de Inquérito Especiais), atualmente chamado de Cinq (Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores).
O Sinq estava atrelado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), e seus delegados tinham autonomia para conduzir seus inquéritos sem que eles passassem pelo crivo da direção-geral.
A PF não indica a data exata em que o documento foi produzido por Ramagem, mas diz que o arquivo foi criado em 5 de maio de 2020 e foi editado pela última vez em 21 de março de 2023.
Ramagem criou arquivo em 2020
Em abril de 2020, pouco antes da criação do documento, Ramagem havia sido proibido por Moraes de assumir o comando da PF. A justificativa foi que a nomeação tinha como finalidade uma interferência na corporação. À época, a indicação de Ramagem resultou na demissão do então ministro da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro.
A anotação do deputado indica que a mudança idealizada por ele causaria reações dentro da PF.
“Inquéritos com trâmite junto ao STF têm que ser presididos pelo próprio Diretor-Geral da PF. Irão espernear, mas o argumento é válido. Similaridade com o MP [Ministério Público], onde o PGR [procurador-geral da República] preside todos os procedimentos em trâmite junto ao STF e outros tribunais superiores”, diz trecho da anotação.
No modelo do Ministério Público, sugerido por Ramagem, todos os inquéritos que tramitam no STF e no Superior Tribunal de Justiça passam por pessoas indicadas e de confiança do procurador-geral da República.
Plano era submeter todos os inquéritos que tramitam no STJ e no STF à PGR (Foto: João Américo/PGR)
A ideia de dar superpoderes ao diretor-geral da PF foi recauchutada e utilizada pela direção da corporação em maio de 2021, um ano após a criação da anotação por Ramagem.
Como revelou a Folha, também no governo Bolsonaro, sob o comando de Paulo Maiurino, a PF aproveitou o debate sobre a delação do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral e sugeriu ao STF a mudança dentro do órgão.
Maiurino, indicado por Bolsonaro para substituir Rolando de Souza, nome de Ramagem após a suspensão de sua nomeação por Moraes, apresentou a proposta no julgamento iniciado pelo STF para anular a delação de Cabral após a Folha revelar que ela citava o ministro Dias Toffoli.
Embora o debate ali fosse sobre o poder da PF fechar acordos de colaboração, Maiurino incluiu a tese de centralizar os inquéritos contra políticos nas mãos do diretor-geral.
Investigadores ouvidos pela reportagem à época disseram ver na proposta um ataque do chefe da polícia às recentes ações do órgão e disseram que se tratava de uma tentativa de controle de apurações por parte do diretor-geral. A PF comandada pelo delegado rebateu e disse que não haveria prejuízo à autonomia de delegados.
O documento assinado por Maiurino dizia que a “direção da Polícia Federal vem estudando a implementação de mecanismos de supervisão administrativa e estruturação organizacional nos moldes daqueles adotados pela Procuradoria-Geral da República”.
A medida seria necessária, escreveu o diretor-geral indicado por Bolsonaro, para a “melhor supervisão das investigações”, de modo a evitar “o ajuizamento de medidas” que refletem “tão somente o posicionamento individual de autoridades policiais”, mas que estão “em dissonância da posição institucional da PF”.