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Leia trecho inédito do novo livro de Juliana Dal Piva sobre Rubens Paiva; Jornalista lança na quarta-feira (12) 'Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva'

Foto: Reprodução

10/02/2025 às 05h41 Atualizada em 11/02/2025 às 04h20
Por: Redação Fonte: ICL
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Leia trecho inédito do novo livro de Juliana Dal Piva sobre Rubens Paiva; Jornalista lança na quarta-feira (12) 'Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva'

A colunista do ICL Notícias Juliana Dal Piva lança na quarta-feira (12) o livro “Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva” (editora Matrix).O lançamento será na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, a partir das 18h30.

O trabalho é uma adaptação da dissertação de mestrado da jornalista que foi apresentada no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, em setembro de 2016.

Como bem mostrou o filme “Ainda estou aqui”, o engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva foi levado de sua casa no Rio de Janeiro por um grupo de militares sob os olhos apreensivos de sua família em 20 de janeiro de 1971. Nunca mais voltou. Descobrir o que ocorreu com ele depois disso tornou-se uma missão para sua família. Em especial, para sua mulher, Eunice Paiva.

Leia abaixo o capítulo 8 do livro “Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva”.

Juliana Dal Piva lança livro sobre Rubens Paiva. Foto: Custódio Coimbra
Juliana Dal Piva lança livro sobre Rubens Paiva. Foto: Custódio Coimbra

Capítulo 8 do livro ‘Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva’
Faltava pouco para as onze horas da manhã quando a psicóloga Vera Paiva entrou na pequena sala de audiências da 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Era a manhã da sexta-feira, 27 de novembro de 2015. Acompanhada do marido e da advogada criminalista Carmen da Costa Barros, Vera aguardava ansiosa pelo início dos depoimentos do processo movido pelo assassinato de seu pai, o deputado federal Rubens Paiva. Pouco depois chegou o procurador da República, Sérgio Suiama.

Os três entraram e tomaram seus lugares. A advogada da família Paiva dirigiu-se à mesa, que ficava no meio da sala e de frente para a plateia. Ela então se sentou em uma cadeira do lado esquerdo. O lado direito foi destinado aos representantes dos réus. No centro, em meio aos dois, estava a poltrona destinada ao juiz, posicionada em uma altura superior aos advogados. Do lado esquerdo do magistrado ficava o escrivão e, à direita, a cadeira do representante do MPF. Vera Paiva, com celular em mãos, aguardou a audiência sentada na plateia. Optou por um assento no canto esquerdo da segunda fileira de cadeiras reservadas ao público, de frente para a mesa central. Ao todo, eram cinco filas e a primeira estava destinada aos réus.

Do lado de fora, no corredor de acesso à sala, os advogados dos militares preocupavam-se com o assédio da imprensa sobre seus clientes. Exigiram da juíza Margareth de Cássia Thomaz Rostey que não fosse permitida a gravação de imagens ou a tomada de fotografias. A magistrada concordou, mas permitiu que a imprensa assistisse à audiência. Para “contornar” a exposição pública dos réus, também foi autorizado aos militares entrar no prédio da Justiça Federal de carro. Ao restante dos cidadãos, foi exigido o trâmite regular: identificar-se na portaria, para realização de um cadastro com foto.

A Justiça Federal dispunha nesse dia de apenas dois funcionários para o serviço que leva de cinco a dez minutos. Somente depois disso fui autorizada a entrar no edifício. O mesmo ocorreu com os demais. Enquanto os depoimentos não se iniciavam, os militares também aguardaram em uma sala privativa, de onde foram chamados após a juíza dar início à audiência.

O tratamento singular dispensado aos militares foi apenas mais um quesito do sinuoso processo. A própria realização da audiência configurou-se em uma conquista com requintes heroicos do MPF. Após a vitória no Tribunal Regional Federal da 2a Região, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki decidiu parar o processo em caráter liminar no fim de setembro de 2014.

Naquela época, a ausência de resolução sobre a continuidade da ação penal fez com que o MPF pedisse ao STF autorização para ouvir em juízo as testemunhas do processo, uma vez que a maioria delas possuía idade avançada ou doenças crônicas. Inês Etienne Romeu morreu em abril de 2015, sem poder testemunhar no processo. Em nova batalha judicial, os procuradores obtiveram autorização para realizar as oitivas em juízo e foram intimadas doze testemunhas de acusação, entre as quais o coronel reformado Armando Avólio Filho e os ex-presos políticos Edson Medeiros e Marilene Corona Franco – as três testemunhas oculares do crime. A audiência foi inicialmente marcada para os dias 25 e 26 de novembro. No entanto, na véspera, o ministro Teori Zavascki concedeu nova liminar aos réus para limitar a sessão à oitiva de uma única testemunha, que se encontrava adoentada: Marilene Corona Franco.

Assim, após dois dias de embates sobre quem poderia prestar depoimento, iniciaram-se os trabalhos no dia 27. A juíza pediu que o escrivão abrisse a ata da audiência e mandou os advogados de defesa chamarem os réus, obrigados legalmente a comparecer. Em menos de um minuto, entraram enfileirados o general José Antonio Nogueira Belham e os capitães Jacy e Jurandyr Ochsendorf e Souza. Os outros dois réus, os coronéis Rubens Paim Sampaio e Raymundo Ronaldo Campos, não compareceram e justificaram a ausência por problemas de saúde. Os três oficiais entraram e se dirigiram aos bancos reservados aos réus. Essa foi a primeira vez, desde o fim da ditadura, que militares se sentaram como réus em uma vara criminal para responder por um processo de homicídio cometido durante a ditadura militar. Não durou muito.

Na sala, além de Vera Paiva, já aguardavam alguns jornalistas e integrantes do Tortura Nunca Mais. Um grupo de menos de 20 pessoas. A única ausência era Marilene Corona Franco, que também aguardava em uma sala reservada. Para depor, a ex-presa política exigiu que os réus deixassem a audiência. Marilene não queria rever seus algozes. Eram inúmeros os traumas da tortura a que foi submetida dentro do DOI-CODI em 1971. Anos depois, em 1986, ainda fora obrigada a comparecer ao Palácio Duque de Caxias para prestar esclarecimentos no IPM sobre o desaparecimento de Rubens Paiva. À época, o general Adriano Pinheiro da Silva não permitiu que ela estivesse acompanhada de um advogado. A juíza assentiu imediatamente e os réus deixaram a sala com a condição de aguardar a conclusão da oitiva sem deixar o prédio.

Assim, na primeira vez perante a Justiça Comum desde sua prisão, a ex-presa política denunciou a violência sofrida por ela, Cecília Viveiros de Castro e Rubens Paiva. Sentada ao lado da advogada da família Paiva, Marilene discorreu os detalhes de cada momento vivido desde que retornou do Chile, em janeiro de 1971, quando foi detida por agentes da repressão. Demonstrando nervosismo, ela falava sem desviar os olhos da juíza ou do procurador. Não omitiu as minúcias mais constrangedoras sobre o interrogatório com choques elétricos em seus seios ou os gritos que ouviu do homem que não conhecia, mas depois ficou sabendo que era Rubens Paiva.

Marilene só direcionou o olhar para o advogado dos militares, Rodrigo Roca, quando chegou a vez da defesa fazer perguntas. E como se ignorasse o perigo aos opositores da ditadura em 1971, o defensor dos militares questionou: “Por qual razão a senhora trouxe então as cartas fixadas na sua cintura em vez de trazer na bagagem normalmente?” Marilene respirou fundo: “Eu vou explicar ao senhor”. E, falando apressadamente, contou que, desde que a irmã e o cunhado foram se exilar no Chile, a correspondência que os dois mandavam à família era violada e os telefones de sua casa no Brasil estavam grampeados.

Roca não se estendeu mais. O depoimento durou uma hora e doze minutos. Os réus foram chamados pela juíza para retornar à sala de audiências para a assinatura da ata. Em um clima mais relaxado, os três entraram conversando e demonstrando intimidade, com direito a tapinhas nas costas um do outro. Após a assinatura, a juíza Margareth de Cássia Thomaz Rostey declarou a sessão encerrada.

O ministro Teori Zavascki morreu em janeiro de 2017 sem pautar o julgamento de mérito do caso. Depois disso, o recurso ficou parado por muito tempo no gabinete do ministro Dias Toffoli e agora está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, justo quem ocupou a vaga de Zavascki. A demora em processar os acusados deixa consequências e impunidade. Dos cinco militares denunciados pelo MPF em 2014, três morreram. Ainda estão vivos – quando termino de escrever este texto, em dezembro de 2024 – o capitão Jacy Ochsendorf e Souza e o general reformado José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI. Só os dois ainda recebem dos cofres públicos, todos os meses, um total de R$ 59,4 mil por mês da União por suas aposentadorias. Além disso, o Estado paga outros R$ 80,7 mil em pensões a oito familiares dos demais réus que já morreram. Ao todo, eles recebem, mensalmente, R$ 140,2 mil.

Belham é um capítulo à parte. Em 2019, ao investigar um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro no antigo gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, descobri, junto com a jornalista Juliana Castro, que o ex-presidente da República nomeou, ao longo do ano de 2003, como assessora parlamentar, Maria de Fátima Campos Belham, a mulher do general. Na ocasião em que o general foi convocado para depor pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014, Bolsonaro chegou a sair em sua defesa e declarou para o jornal Folha de S. Paulo: “O apelo que faço é para que o general possa falar o que ele bem entender e não fique preso só ao Rubens Paiva”.

Um episódio que demonstra como os militares que atuaram na ditadura mantêm sua influência em setores políticos e das Forças Armadas até agora. Um dos últimos atos de Bolsonaro na Presidência da República foi extinguir a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, sem que os trabalhos de localização de todos os 210 desaparecidos tenham sido concluídos.

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