Papa Francisco (Foto: CNBB)
247 – O Papa Francisco morreu na madrugada de segunda-feira (21), aos 88 anos, encerrando um pontificado de 12 anos marcado por reformas progressistas e forte engajamento político global. A informação foi publicada originalmente pela Sputnik Brasil, que ouviu analistas sobre o legado do primeiro papa latino-americano e as implicações da sua morte para a sucessão no comando da Igreja Católica.
Francisco — nascido Jorge Mario Bergoglio — foi o primeiro pontífice não europeu da era moderna e promoveu uma guinada no perfil institucional da Igreja. Desde o início de seu pontificado, rompeu com tradições enrijecidas, aproximou-se dos pobres e marginalizados, atuou contra abusos cometidos no clero e defendeu causas como o combate às mudanças climáticas e a migração humanitária.
Uma liderança que incomodou setores conservadores
Para o cientista político Bruno Lima Rocha, professor de relações internacionais, a oposição interna à linha pastoral de Francisco não é nova. “A divisão na Igreja Católica vem desde, pelo menos, João XXIII, o papa da bondade. Francisco, diferentemente de seus antecessores, assumiu uma postura clara: escolheu a opção preferencial pelos pobres e promoveu uma Igreja que renuncia à ostentação”, analisou.
Rodrigo Toniol, professor da UFRJ, também destacou à Sputnik Brasil o papel de Francisco como líder global. "Ele se destacou como um global player, abordando questões como imigração, pandemia e o meio ambiente, inclusive com críticas abertas ao capitalismo", disse. No entanto, Toniol pondera que Francisco não foi exatamente um reformista radical dentro da estrutura da Igreja. “Foi alvo de resistência interna pelas suas posições públicas.”
Francisco preparou a sucessão e reduziu margem para retrocessos
A preocupação com uma eventual reversão do perfil progressista na Igreja Católica após a morte de Francisco foi parcialmente amenizada pelos dados revelados por Rocha. Segundo ele, “Francisco praticamente nomeou ou fidelizou 80% dos cardeais que formam a Cúria romana. De cada dez eleitores no próximo conclave, oito têm relação direta com ele”. Esse quadro aumenta as chances de continuidade em seu projeto de Igreja. O analista considera, inclusive, possível a eleição de um papa filipino, de uma das maiores nações católicas do mundo.
Trump tenta influenciar a Igreja?
A morte de Francisco ocorreu sob o segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. A nomeação recente de Brian Burch — figura crítica ao pontífice — como embaixador norte-americano na Santa Sé acendeu o alerta sobre uma possível tentativa de interferência política de Washington na sucessão papal.
Para Toniol, trata-se de um gesto simbólico, mas inócuo do ponto de vista prático. “O desejo de Trump de influenciar a Igreja Católica é mais um de seus delírios megalomaníacos. A Igreja tem 2 mil anos de história e uma tradição própria na escolha de seus líderes. O conclave papal não é uma eleição democrática”, afirmou.
Rocha complementa: “É claro que o Norte hegemônico, sobretudo os EUA, buscará ampliar sua presença. Mas a Cúria romana foi blindada por Francisco. A estrutura atual tende à permanência de seu estilo pastoral.”
Um legado de alteridade e compromisso social
Entre os marcos de seu pontificado, destacam-se a encíclica Laudato Si (2015), voltada para o cuidado com o meio ambiente, e o Sínodo da Amazônia, que aproximou a Igreja das questões indígenas e ambientais do hemisfério Sul. Francisco também foi pioneiro ao canonizar um número expressivo de santos em países fora da Europa, incluindo o Brasil e a Síria.
“O legado de Francisco é o reconhecimento do outro. Em um momento em que a direita radical nega a existência do diferente, ele reafirmou a solidariedade, o acolhimento aos imigrantes, a justiça social e o compromisso com um planeta sustentável”, afirmou Rocha. Para ele, Francisco se tornou um símbolo de resistência ética e espiritual em tempos sombrios de retrocesso civilizacional.