Por mais que se tente, há coisas que desafiam a lógica, e a mais recente delas atende pelo nome de Instituto Anova, que em sua última pesquisa aponta o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena, como favorito para disputar o Governo do Estado da Paraíba.
Difícil entender como parte da população ainda vê em Cícero um modelo de gestão. Afinal, não estamos falando de um gestor qualquer, mas de um político que, mesmo sob os holofotes da reeleição, teve sua família e sua campanha atravessadas por denúncias graves, ligações espúrias e uma operação que colocou a capital no centro das manchetes policiais do país.
Durante a última campanha de Cícero à reeleição, o país acompanhou perplexo uma sequência de eventos dignos de roteiro policial. A Operação Território Livre, deflagrada pela Polícia Civil e o Gaeco, expôs o que muitos já sussurravam: o envolvimento direto de candidatos aliados à gestão com organizações criminosas que atuam em João Pessoa. Não bastasse isso, a operação escancarou a atuação de facções no financiamento e na manipulação do processo eleitoral.
Não estamos falando de suposições. Estamos falando de prisões, mandados de busca e apreensão, interceptações telefônicas, provas materiais. Estamos falando de Laurimélia Lucena, esposa do prefeito, presa sob acusações sérias de envolvimento com o crime organizado. Estamos falando da casa de Janine Lucena, filha do gestor e então secretária municipal, sendo alvo de busca e apreensão.
Isso tudo durante um pleito eleitoral.
A pergunta que paira no ar é simples: isso não basta?
Ao que parece, parte do eleitorado ignora ou relativiza esses episódios em nome de uma suposta "gestão eficiente". Mas o que há, de fato, na gestão de Cícero Lucena que justifique tamanho favoritismo? Seria a ciclovia pintada em ritmo de tartaruga? A mobilidade que continua emperrada? Os contratos com empresas de coleta de lixo sob suspeita? A falta de transparência nos gastos com publicidade?
Nada parece justificar esse "carisma de urna" que o cerca. O que parece haver, no entanto, é um projeto silencioso de poder familiar e continuísta, onde os mesmos sobrenomes se revezam em gabinetes, licitações e notas de empenho. João Pessoa tem servido como laboratório de vícios administrativos, onde o jogo de cartas marcadas continua intocado.
E agora, esse modelo quer se expandir. Quer o Palácio da Redenção. Quer tomar a Paraíba.
O futuro exige memória
A política paraibana já teve seus momentos de ruptura. Já viu o novo enfrentar o velho com coragem e firmeza. Mas também tem sido vítima de uma memória seletiva, onde escândalos se tornam notas de rodapé e o eleitor volta às urnas como se nada tivesse acontecido.
É hora de lembrar que governar um Estado não é como pintar meio-fio na orla de Cabo Branco. É preciso mais do que sorrisos em outdoors e agendas culturais nas redes sociais. É preciso decência. E, sobretudo, distância do crime organizado.
A Paraíba não precisa de mais uma família no comando. Precisa de gente que respeite a democracia, a ética e o povo. O que se viu em João Pessoa não pode se repetir em escala estadual. E se a memória falhar, que ao menos a justiça não falte.